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Os obstáculos que a conferência de desenvolvimento e meio ambiente da ONU no Rio de Janeiro precisa superar para repetir o sucesso da Eco 92

 

 

O MEIO DE TRANSPORTE É A MENSAGEM O estudante Vinícius da Rosa com sua bicicleta. Ele participará da Bicicletada Nacional e quer chegar à Rio+20 pedalando (Foto: Eduardo Zappia/ÉPOCA)

Logo do Rio+20 (Foto: ÉPOCA)

 

O estudante de cinema Vinícius Leyser da Rosa vai para o Rio de Janeiro pedalando. Ele planeja desde o fim do ano passado sua viagem para participar da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que acontecerá de 13 a 22 de junho. Vários ciclistas como ele sairão de cidades do Brasil na Bicicletada Nacional. Vinícius, que mora em Florianópolis, vai para São Paulo de ônibus e depois pretende fazer os 430 quilômetros finais em oito a dez dias. Há 20 anos, quando a cidade recebeu a outra grande conferência, a Eco 92, ou Rio 92, Vinícius só tinha 6 anos e ainda pedalava com rodinhas. Agora participará de um evento que pretende rever os acordos internacionais de 1992 e definir as próximas medidas para garantir desenvolvimento, conforto, redução na pobreza sem destruir as bases naturais da economia.

O encontro oficial reunirá diplomatas e chefes de Estado de 183 países no Riocentro. Enquanto isso, 280 eventos paralelos, como encontros de ONGs e empresas, acontecerão pela cidade, a maioria na Cúpula dos Povos, que se estenderá pelo Aterro do Flamengo. O governo não tem estimativa de quantas pessoas irão para a cidade. Os hotéis, as pousadas e até apartamentos para alugar já estão lotados. Apesar da movimentação, a Rio+20 pode frustrar tantas expectativas. Para produzir resultados concretos e entrar para a história, como a Eco 92, o evento precisa superar alguns obstáculos.

1. Sair da sombra da Rio 92
A Rio+20 é como o filho de um pai bem-sucedido, bonito, rico e famoso. Só que pai e filho não nascem e vivem no mesmo contexto histórico. Na virada da década de 1980, o mundo vivia o fim da União Soviética e dos regimes comunistas do Leste Europeu. A democracia se consolidava na América Latina. Com mais liberdade – e graças a novas tecnologias como o fax e as antenas parabólicas –, as ONGs ganhavam força local e faziam alianças internacionais. Com o fim do medo do apocalipse nuclear, os perigos ambientais ganhavam relevância. Formavam um apanhado de causas, como a preservação das baleias, a reciclagem de papel ou o fim do lixo tóxico. Da Eco 92 nasceram as Convenções do Combate à Desertificação e da Diversidade Biológica e das Mudanças Climáticas, as COPs.

O debate ambiental ficou mais econômico de 1992 para cá. A COP de clima levou ao Protocolo de Kyoto, de 1997, com metas de redução de gases do efeito estufa para os países. Hoje, o custo e os benefícios dos compromissos ambientais estão mais claros. Por isso, eles são mais difíceis – e mais necessários. “A Rio+20 não pode ser um evento comemorativo. Tem de dar um passo adiante”, diz o físico José Goldemberg, durante a Eco 92, secretário do Meio Ambiente da Presidência da República.

2. Propor metas objetivas
A Rio+20 gira em torno de dois temas centrais. O primeiro, economia verde, reúne os esforços para criar um desenvolvimento que respeite os limites naturais, sem desequilibrar o clima, esgotar os mares ou destruir a biodiversidade. O segundo, governança, são as medidas para colocar isso na pauta dos governos, empresas e agências internacionais. As boas intenções carecem de definições práticas. “Até agora, o documento construído para sair da Rio+20 diz que a economia verde deve ser implementada sem explicar como um presidente ou um dono de indústria faz isso. É um bom conselho, mas que não vale no dia seguinte, quando todos voltam para casa”, afirma Goldemberg. Além disso, alguns debates estão presos a noções pré-1992. “Ainda tem gente discutindo se uma nova economia deve ser mais social ou mais ambiental”, diz André Carvalho, professor da Fundação Getulio Vargas. “Desde 1987, já entendemos que são pontos interligados. Esforços para viabilizar energias renováveis também resultam em novas tecnologias, geração de empregos e renda.”

Um dos resultados objetivos da Rio+20 deve ser um documento com as metas do desenvolvimento sustentável (ODS), como erradicação da pobreza, segurança alimentar, preservação dos mares e das florestas. Ele se chamará O futuro que queremos. Desde janeiro, representantes de governos, órgãos da ONU e das ONGs se reúnem ao menos uma vez por mês na sede do órgão, em Nova York, para discutir o rascunho. É a nova versão dos Objetivos do Milênio, criados em 2000 também pela ONU para destacar os oito principais problemas do mundo. Os governos se comprometeram a investir para resolvê-los e em 2015 mostrar os resultados. Entre esses problemas estão a mortalidade infantil e educação de qualidade para todos. Depois de 2015, é possível que esses objetivos sejam substituídos pelos ODS. Sem garantias de resultados. “É um acúmulo de compromissos. Os Objetivos do Milênio nem foram alcançados e podem perder a força se comprometermos os governos com uma nova pauta”, diz Aron Belinky, coordenador do Instituto Vitae Civilis, que participa da discussão do rascunho. O documento também propõe uma nova economia verde, mas não define as etapas para alcançá-la, não estabelece metas nem envolve obrigação dos signatários.

3. Fugir das decisões burocráticas
Os negociadores da Rio+20 estudam promover o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) ao status de uma agência especial da ONU para o desenvolvimento sustentável. O órgão ficaria no mesmo degrau da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) e teria mais autonomia para a criação de políticas ambientais. Mas isso criaria mais burocracia e isolaria os temas ambientais num órgão incipiente. “É mais eficaz inserir o tema do desenvolvimento sustentável em todos os outros órgãos da ONU”, diz Carvalho.

4. Ignorar a política ambiental brasileira
Tradicionalmente, em conferências desse porte, as práticas do país anfitrião inspiram os participantes. Para bem ou para mal. Em 1992, o então presidente Fernando Collor criou 15 unidades de conservação e elevou a Secretaria de Meio Ambiente a Ministério. Mas as últimas notícias ambientais no Brasil são ambíguas. O Congresso acaba de aprovar a redução na área de unidades de conservação da Amazônia para hidrelétricas e assentamentos. Também aprovou um novo Código Florestal que reduz a proteção às margens dos rios e encostas instáveis, além de anistiar quem desmatou ilegalmente. “Ao receber a Rio+20, o Brasil ganha no turismo e no comércio. Mas vira o foco das notícias. E, infelizmente, até agora, o que está nas manchetes é o Código Florestal que vai contra tudo o que se discute para um desenvolvimento sustentável”, diz o pesquisador Luiz Gylvan Meira Filho, da USP.

5. Ir além da crise econômica
No auge de uma das maiores crises econômicas da história, os representantes dos países provavelmente terão pouco ânimo – e pouco apoio doméstico – para assumir compromissos que envolvam maiores sacrifícios econômicos a curto prazo. O parlamentar britânico Martin Caton, diretor do comitê de auditoria ambiental, disse que a crise “pode reduzir as ambições no Rio e trazer de volta o velho e estéril debate de agenda econômica versus ambiental”. O risco é insistir no crescimento com base numa demanda por recursos naturais que supera a capacidade de regeneração do planeta. “Pior que uma crise econômica, só uma crise econômica acompanhada por desastres ambientais”, diz o advogado Eduardo Felipe Matias, que acompanha as negociações internacionais.

6. Atrair um bom time de chefes de Estado
A Eco 92 reuniu 108 chefes de Estado como o então presidente americano George H.W. Bush (o pai) e outros representantes de 170 países. Foi um dos maiores encontros da história. Não há certeza se a Rio+20 terá tanta adesão. Sem dar nomes, o Itamaraty diz que pelo menos 135 chefes de Estado confirmaram a presença. Mas a chanceler alemã, Angela Merkel, e o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, afirmaram que não vêm. Em abril, a presidente Dilma Rousseff visitou o presidente americano, Barack Obama, na Casa Branca, e ouviu dele que seria muito difícil participar da Rio+20 no meio da campanha à reeleição. Obama já mudou de planos na última hora, quando decidiu ir para a COP de Copenhague em 2009. “Se as nações que mais impactam a natureza não vierem, os acordos não serão significativos. Não adianta termos aqui só a América Latina e a África. Precisamos da China, dos Estados Unidos e dos grandes países da Europa”, diz Goldemberg. Do contrário, apesar dos prazeres das pedaladas e das belezas naturais do Rio, ativistas como Vinícius perderão a viagem.

RIQUEZA NATURAL Um funcionário da Petrobras explora o primeiro campo no pré-sal. O petróleo que gera empregos, mas também altera o clima da Terra (Foto: Wilton Juni0r/AE)

 

Fonte URL: http://revistaepoca.globo.com/ideias/noticia/2012/05/6-desafios-para-rio20.html

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