KANINDÉ

'Ninguém entra e ninguém sai': ONG distribui alimentos para manter indígenas nas aldeias

RIO – Desde o início da pandemia de coronavírus que a estudante Walelasoetxeige Paiter Bandeira Suruí, de 23 anos, não volta para casa. Por conta da faculdade de Direito, ela vive na capital de Rondônia, Porto Velho, mas seus parentes e amigos estão distantes, a cerca de sete horas de viagem, isolados na aldeia Iapetanã, na Terra Indígena 7 de Setembro.
— Eu não tenho ido lá por causa da pandemia. Ninguém entra e ninguém sai, para não corrermos o risco de contaminação — conta Walelasoetxeige. — O contato com a família é por WhatsApp. Algumas aldeias já têm internet. A conexão não é boa, mas dá para conversar.
A medida drástica é justificável, pois a Região Norte registra a maior incidência da doença, proporcionalmente à população, principalmente nas capitais, como Manaus e Porto Velho. Mas sem o contato com os centros urbanos, muitos indígenas perderam sua principal fonte de renda, que é o comércio de produtos agrícolas, e acesso a itens que não são produzidos nas aldeias.
Para suprir essa demanda e manter os povos indígenas realmente em isolamento, a ONG  Kanindé lançou campanha para distribuição de cestas básicas e kits de higiene e limpeza nos povoados. Também há distribuição de máscaras e de materiais informativos sobre prevenção da doença.
— Nós estamos doando cestas com alimentos que hoje eles consomem, mas não produzem localmente, como óleo, sal e arroz — explica Ivaneide Bandeira, fundadora da Kanindé. — Também enviamos materiais de limpeza, como sabão e água sanitária, que obviamente eles não produzem, mas são necessários para combater o coronavírus.

Ajuda para 40 aldeias de 23 etnias

Até meados de junho, a ONG havia distribuído mais de 1,4 mil cestas para cerca de 40 aldeias de 23 etnias, nos estados de Rondônia — onde a ONG é sediada —, Mato Grosso, Amazonas e Pará. Ivaneide conta que levantar as doações é apenas parte do desafio, pois a distribuição em locais distantes e de difícil acesso requer logística custosa.
— Existem aldeias que só são acessíveis com barcos, outras que estão a dois, três dias de viagem. Não é fácil — afirma, acrescentando que, por causa das restrições, as doações são levadas apenas até os limites das terras indígenas e que tudo é cuidadosamente esterilizado.
Um dos principais temores é com o modo de vida dos indígenas, baseado no coletivo. Diferentemente da cidade, onde os núcleos familiares vivem isolados em suas casas, nas aldeias a vida é em comunidade. Se um indivíduo for contaminado, é provável que todos peguem a doença.
Por isso, a Kanindé reforçou as campanhas informativas, produzindo material com explicações sobre a doença em diferentes línguas. E por causa do isolamento, a internet tem sido uma poderosa aliada. Segundo Ivaneide, a comunicação com as aldeias é diária, via WhatsApp. “Lives” informativas também são organizadas.
— Eu peguei o coronavírus e eles me ligavam todos os dias para saber como eu estava. Eu cheguei a receber um canto ritual de cura dos Assurini, tudo pelo WhatsApp — relembra a ativista. — Essa ferramenta está sendo fantástica.
Outra preocupação é com as invasões aos territórios indígenas. Com o afrouxamento da fiscalização pelo governo federal, o temor é que o número de casos dispare e o contato com grileiros, garimpeiros e madeireiros espalhe a doença pelas aldeias.

Drones para conter invasões

Por isso, a Kanindé também tem atuado com o monitoramento, com a doação de drones e outros equipamentos para os Uru-eu-wau-wau, que sofre com o aumento das invasões. Em abril, Ari Uru-eu-wau-wau, que fazia parte do grupo de vigilância da Terra Indígena, foi assassinado.
Mas mesmo com todos os alertas e campanhas informativas, nem todos seguem o isolamento. Segundo Ivaneide, alguns indígenas do povo Karitiana acreditam que sua medicina tradicional é capaz de curar a doença e, por isso, não estão seguindo o isolamento. A etnia é a que registra mais casos no estado de Rondônia, e já sofreu com duas mortes.
— Existem povos sem contato com o homem branco ou de contato recente. Essas populações são muito frágeis — alertou Ivaneide. — O nosso passado nos mostra como as doenças levadas pelos brancos podem dizimar povos inteiros.
Quem quiser apoiar o trabalho da Kanindé deve acessar o site www.povosdaamazonia.com, que contém informações sobre as campanhas e os canais de doações.
FONTE: https://oglobo.globo.com/premio-faz-diferenca/boas-acoes-na-pandemia/ninguem-entra-ninguem-sai-ong-distribui-alimentos-para-manter-indigenas-nas-aldeias-24479183

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on email

Posts recentes

Ver tudo

Encontro reúne mais de 100 jovens indígenas em Porto Velho

Por Ana Laura Gomes . Entre os dias 12 e 15 de janeiro, Porto Velho…

Movimento da Juventude Indígena participa de intercâmbio com jovens extrativistas do Lago do Cuniã

O objetivo foi promover um intercâmbio entre os movimentos e incentivar a maior participação política…

Edital – Construção de Agroindústria para beneficiamento de castanha

Porto Velho, 27 de Outubro de 2023 COTAÇÃO DE PREÇOS/EDITAL No 10/2023 /KANINDÉ A Associação…